segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Porque a Lua é branca e nós somos negros



Desde pequeno escuto frases como "no escuro todos os gatos são pardos" ou "a noite todos os pássaros são pretos". E recentemente eu ouvi um poema na forma de canção "Whitey's on the moon" do Gil Scott-Heron
https://www.youtube.com/watch?v=goh2x_G0ct4

A rat done bit my sister Nell.
(with Whitey on the moon)
Her face and arms began to swell.
(and Whitey's on the moon)
I can't pay no doctor bill.
(but Whitey's on the moon)
Ten years from now I'll be payin' still.
(while Whitey's on the moon)
The man jus' upped my rent las' night.
('cause Whitey's on the moon)
No hot water, no toilets, no lights.
(but Whitey's on the moon)
I wonder why he's uppi' me?
('cause Whitey's on the moon?)
I was already payin' 'im fifty a week.
(with Whitey on the moon)
Taxes takin' my whole damn check,
Junkies makin' me a nervous wreck,
The price of food is goin' up,
An' as if all that shit wasn't enough
A rat done bit my sister Nell.
(with Whitey on the moon)
Her face an' arm began to swell.
(but Whitey's on the moon)
Was all that money I made las' year
(for Whitey on the moon?)
How come there ain't no money here?
(Hm! Whitey's on the moon)
Y'know I jus' 'bout had my fill
(of Whitey on the moon)
I think I'll sen' these doctor bills,
Airmail special
(to Whitey on the moon)

Gil Scott-Heron





Deixando de lado toda influencia do jazz, a musicalidade do estilo blues, beats instrumentais de pegada maravilhosa do Afrofuturismo e nos concentrarmos na letra singular dessa música podemos retirar várias reflexões. Música consiste do autor falar sobre problemas enfrentados por negros em 1970 como o aumento dos impostos, aumento do preço da comida, as dividias médicas exorbitantes durarão uma década pra ser pagas e como todo o dinheiro suado do trabalhador negro é esvaído dele com tamanha facilidade em contraposição ao sucesso do programa aeroespacial norte-americano. O autor critica diretamente  as prioridades do Governo ao gastar milhões para atender demandas especificas de uma parcela privilegiada da sociedade ao mesmo tempo que distraí as massas com esse sentimento ufanista, nada mais americanizado. A música fala em como se ludibria a população para que ela não pense nos problemas e tensões internass do país. Podemos pensar aqui diretamente nas questões de saúde, em como a saúde coletiva é vista nos EUA na década 70 e seus vestígios até momento atual. Em um belo exemplo foucaultiano esta situação onde vemos a manifestação do Biopoder "Fazer Viver, Deixar Morrer" e o como seus mecanismo funcionam e as quais interesses ele atende. Uma parcela considerável da população americana sofre com ausência de um serviço publico de saúde e este problema é  uma mina de ouro para empresas de seguro e plano de saúde; a indústria Farmacêutica; para os hospitais privados; para uma parcela da classe médica elitista. Mas a pergunta que fica é a pra quem não é interessante as coisas ficarem do jeito que está, quem sai prejudicado dessa história ? quem paga o preço desse cartel? Sim o trabalhador, especificamente os trabalhador preto, pobre, marginalizado, de baixa escolaridade. 

Mas você se deve pensar, Meu Leitor. Se você me conhece e deve pensar e dai ? Problema de americano, o que tem haver com a gente ? Sabe que sou do tipo que citaria racionais "Nòs aqui, vocês lá, cada um no seu lugar..."

Mas nos anos 70 o Brasil vivia numa ditadura militar a única maneira de se obter um serviço médico publico era ter cadastro no INPS/INAMPS e por agora nem comentaremos como esse órgão foi um poço de corrupção, escândalos e exemplo de má gestão em saúde pública dando as bases e fortalecendo para a criação dos consórcios de planos de saúde no Brasil. (sim, um serviço público que construiu o privado, legalmente e ilegalmente) Para se filiar a este órgão do governo era necessário seguir uma série de critérios que pra resumir a história, uma parcela numerosa da população não tinha acesso aos serviços públicos de saúde. E quem era essa parcela sim os pobres, negros e periféricos  que eram obrigados a depender de filantropia médico-hospitalar. O poema é americano mas se encaixa perfeitamente no contexto brasileiro antes da Revolução que foi o SUS. O meu povo sofre em qualquer lugar do mundo. E toda vez que vejo notícias das tentativas dos desmontes do SUS, eu vejo nitidamente de como o Governo, a elite, o sistema tenta nos negar o direito a vida. Como o Bertold Brecht escreveu "Há muitas maneiras de matar uma pessoa. Cravando um punhal, tirando o pão, não tratando sua doença, condenando à miséria, fazendo trabalhar até arrebentar, impelindo ao suicídio, enviando para a guerra etc. Só a primeira é proibida por nosso Estado" Mas o que acontece de verdade é que o próprio Estado se utiliza de todos os meios listados e outros pra matar indivíduos ou populações, o que denominamos de Necropolitica "Fazer Morrer, Deixar Viver". A Necropolitica são politicas, os mecanismos, os acordos, os negócios, os esquemas que decidem que deve morrer em nome de interesses e demandas privadas e especificas de Empresários e Políticos Brancos que condenam o povo preto a fome, a miséria, a doença, a ignorância, a exaustão, alienação intelectual e por ultimo a morte seja pela ausência do serviço médico; seja pela ação de um agente do próprio Estado; seja pela miséria que nos negou comida e moradia; seja pelo falta educação que nos levou a situações empregatícias humilhantes onde o suicídio era única a saída; seja pelo desemprego que nos forçou a entrar para criminalidade como garantia do nosso ganha pão seja pelos os últimos outros muitos motivos onde o Estado age afim de extinguir todas formas de vivencia do povo Preto e destruir qualquer conquista alcançada aos longos de muito anos de luta.



Um exemplo recente se faz necessário em meio a pandemia mundial de COVID-19, que gerou quadros extensivos de quarentena. O excelentíssimo prefeito liberou abertura de cinemas, teatros e clubes mas não liberou rodas de samba e eventos em quadras de Escolas de Samba mostrando a clara Necropolitica da Prefeitura que visava atender a população elitista que tem condições de ir ao cinema, teatros e clubes e aos grandes empresários por trás desses empreendimentos do mesmo modo que proíbe que as mais tradicionais demonstrações de cultura e arte do povo negro e pobre. Foi necessário muito protesto da comunidade artistas para fazer o prefeito retroceder sua posição e abri para as rodas de samba. Essa atitudes elencam assim as prioridades dos dirigentes dos nossos governos, sempre o capital e nunca o povo. Eles querem destruir toda forma de vivencia Negra e Periférica seja na arte, na musica, nos saberes,  na cultura e no humano. Por fim posso discordar então da minha primeira frase mesmo no escuro tanto atirador, a bala, e quem mandou atirar sabem muito bem diferenciar os corpos que não querem e os que querem acertar, afinal nem todos gatos são pardos. 





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