Resenha
sobre o texto “A Despatologização da Homossexualidade”
A
homossexualidade na Grécia Antiga era diferente do que é encarada
na modernidade. O homoerotismo era socialmente aceito, uma prática
comum entre os indivíduos da sociedade vista como um costume
aristocrático direcionada mais velhos aos mais jovens, dos mestres
aos seus pupilos, dos professores aos seus alunos. Um laço emocional
e sexual numa relação de transmissão de conhecimento, experiencias
e saberes do antigo para o novo. Oriundas de vínculos fraternais de
antes dos próprios gregos, a homossexualidade não era vista com
perversão mas sim como uma instituição legitimada pela sociedade e
pelo Estado. Através da Educação Aristocrática e Militar da época
se incentivava aos jovens a se apaixonar pelo que era belo e alcançar
virtudes perseguindo um modelo de virilidade que advinha das relações
entre seus pares e da relação mestre-pupilo. A Educação se
baseava na crença de que a juventude devia ser moldada num equilibro
entre a ética e a beleza oriundo da sabedoria transmitidas entre as
gerações de sábios. Havia aspectos da vida social grega dado aos
homens e mulheres. O papel do registro domestico e procriação
física dado aos homens e mulheres e o papel publico de cidadão dado
apenas aos homens. Tudo que era de instancia inferior e bárbaro era
associado ao feminino.
Com
o surgimento do Cristianismo, a homossexualidade foi considerado
pecado pois está contrariava ao núcleo familiar cristão, por ser
contra união anatômica frutífera heterossexual, por ser um prazer
carnal consequência da luxuria etc. Toda pratica sexual que
escapasse a norma heterossexual reprodutiva era considerada
desviante, um ataque aos bons costumes e a ordem publica em resumo
uma Sodomia. E foi através desses estigmas e proibições que se
construiu a Moral Sexual Civilizatória. Conforme o poderio
político-cultural do Cristianismo foi ser crescendo e se tornando
mais hegemônico no Ocidente, as praticas consideradas sodomitas
passaram de simples pecados para ofensas diretas a Deus e ao Mundo
portanto foram criminalizadas em varios locais e momentos da história
com as mais diversas punições: prisão, castração fisico/quimica
e morte.
Na
tentativa de se consolidar como ciência médica perante a comunidade
cientifica, a psiquiatria se prontificou a melhorar e fundamentar sua
diagnose. Com a utilização do método cientifico a psiquiatria
tinha como objetivo analisar, classificar e catalogar as enfermidades
mentais. Desse modo ao taxar a homossexualidade como doença as
psiquiatria se apropriava cientificamente de todas a praticas a
compõe. Vários foram os termos, conclusões e teorias sobre a
homossexualidade que psiquiatria propôs que iam de um “delírio de
insanidade amorosa” até “anomalia do instinto de reprodução da
especie” passando por “inversão sexual” e “desenvolvimento
sexual desviante” entre outras patologizações. Apesar da
resistência de inúmeros ativistas que tentavam provar a
naturalidade da homossexualidade frente a heterossexualidade, a
associação constante da homossexualidade a outras doenças mentais
pela comunidade cientifica só estigmatizava ainda mais os
homossexuais não só como pecadores mas também como doente mentais,
Conforme os estudos foram avançando a classificação para
homossexualidade foi ser alterando de categoria sem achar uma
classificação fixa que seja consenso. Acusaram a homossexualidade
de ser congênita, de ser fruto de falha da norma no meio, de ser
processo de perversão e devassidão, degeneração da especie mas
não se achou uma generalização que englobasse e explicasse tais
praticas de maneira cientifica justa e satisfatória. O que ocasionou
diversas criticas ao Estado que ao criminalizar a homossexualidade
estava sendo responsável por um numero expressivo de suicídios.
Freud
em seus estudos sobre etiologia sexual das neuroses começa uma
investigação sobre a sexualidade. Ao longo das descobertas das
zonas erógenas na infância, do poder do recalque, as perversões,
teoria das fantasias, funcionamento do édipo, escolhas objetais
entre outras coisas chega a conclusão que a sexualidade humana não
é determinada pela natureza mas sofre também efeitos mais
significativos da cultura dessa forma a sexualidade apresenta muitas
configurações e expressões portanto é polimorfa. Freud sustenta
sua teoria e conclusões sobre o pilar da psicanalise; o Complexo de
Édipo; onde a bissexualidade é uma referência original de onde vão
surgir posteriormente as escolhas de objeto. Freud diz que a
homossexualidade é completamente normal pois é apenas uma das
formas das quais as ligações libidinais podem se configurar,uma
variação da função sexual, afirmação que sofreu intensa
resistência da comunidade científica da época. Freud tenta retirar
a homossexualidade do campo de destaque negativo, usando suas teorias
e conclusões de que os homossexuais não são marginais nem doentes
retirando a homossexualidade da esfera do degenerativo e degradante;
na tentativa de desconstruir a noção de que homossexualidade é
algo patológico. Os pós-freudianos não tinham um consenso sobre o
apoio a posição Freud sobre a homossexualidade, o que gerou
divergência entre sociedades psicanalíticas de alguns países. A
própria Anna Freud mostrou-se contraria a pratica da psicanalise por
homossexuais.
A
influencia do Nazismo fez retroceder os debates e as politicas a
cerca da desconstrução da homossexualidade como doença. Na
Alemanha a sentença passou para não ser só de prisão mas também
castração física e posteriormente pena de morte. Nos campos de
concentração os homossexuais eram taxados com um triangulo rosa, e
a ele eram dirigidos os piores e mais degradantes trabalhos alem de
serem alvos da violência de outros presos e dos guardas e no pós
guerra muitos continuaram presos pois a homossexualidade ainda era
crime.
Após
o final da 2ºGM houve ascensão de vários movimentos humanistas que
favoreceu o projeto de descriminalização e despatologização da
homossexualidade. Na decada de 40 o médico Alfred Kinsey conduziu
uma pesquisa com grande numero de pessoas e um longo tempo de duração
que mostrou uma variabilidade significativa nas praticas e
comportamentos sexuais provando que estes não são rigidamente
fixos, com base nessa pesquisa Kinsey elaborou uma escala de
variabilidade de comportamento sexual para caracterizar e descrever
os episódios sexuais da vida demonstrando a a fluidez da história
sexual dos indivíduos. Os estudos da Evelyn Hooke com uma pesquisa
com nó duplo cego entre homossexuais e heterossexuais concluiu que a
incidência de doenças mentais não está relacionada com a
orientação sexual, descaracterizando a homossexualidade como
patologia. Na época dos anos 60 foi denunciado o poder normativo dos
diagnósticos psiquiátricos, foi cunhado os termos identidade de
gênero e identidade sexual entre outros progressos mas o estopim foi
a invasão do bar gay Stonewaal em Nova York e violência contra seus
frequentadores por parte da policia que gerou um levante dos
movimentos de ativistas gays que invadiram um congresso da APA em
protesto contra as atitudes patologizantes da psiquiatria que
estigmatizavam socialmente a homossexualidade. A somatória desses
eventos mais a atuação de ativistas médicos e psicólogos resultou
num movimento que gerou a retirada da homossexualidade da lista de
doenças mentais. A APA se tornou um órgão de proteção aos
direitos civis dos homossexuais no trabalho, alojamentos, repartições
publicas e licenciamentos repudiando qualquer tipo de lei
discriminatória. O diagnóstico da homossexualidade como patologia
nunca foi sustentado por argumentos científicos com base médica e
clinica mas sim por questões morais.
No
Brasil a homossexualidade foi retirada da condição de patologia
pelo CFM em 1985 e em 1999 o CFP tomou a posição de seria contra
qualquer pratica exercida por psicólogos para o tratamento e cura da
homossexualidade. Apesar de haver resistência de setores mais
conservadores da sociedade que usam de estrategias politicas e
brechas legais para propor um retrocesso na questão da
homossexualidade a estigmatizando novamente como doença passível de
ser tratada clinicamente, algo que é indefensável e sem embasamento
do ponto vista de Ciências Biológicas e das Ciências Humanas. Hoje
a psiquiatria entende que a sexualidade humana é multi determinada
por uma série de fatores genéticos, fisiológicos, psicológicos,
sociais, relacionais e experiencias evolutivas ao longo da vida.
Em
suma, DSM-1 a homossexualidade constava como um desvio sexual na
categoria de “Pertubações Sociopáticas de Personalidade”, já
no DSM-2 a homossexualidade foi diferenciada dos distúrbios de
personalidade mas manteve a classificação de Desvio Sexual. Devido
a uma série de eventos, trabalhos e atuações clinicas de como por
exemplo Robert Stoller e Spitzer que lideravam o Comité de
Nomenclatura da APA, levaram pra direção da APA o projeto de
criação de comitê de estudos científicos para sustentação da
homossexualidade como doença. O comitê concluiu em 1973 que a
homossexualidade não fosse classificada como patologia e a sua
retirada do DSM. EM 1974 houve um referendo interno como psiquiatras
e psicólogos na APA que resultou pelo fim deste diagnostico. No
DSM-3 de 1980 há os diagnósticos de Transtornos Psicossexuais a
categoria de “Homossexualidade ego-distonica” entre outros
transtornos porém na revisão no DSM-3R essa categoria foi retirada
e os Transtornos Psicossexuais foi alterado Transtornos Sexuais. No
DSM-4 a categoria foi alterada pra Transtornos Sexuais de gênero e
identidade e posteriormente foi alterada para Transtornos Sexuais sem
especificações. Na contramão do progresso da APA a OMS regredia e
patologizava ainda a Homossexualidade a colocando como uma
subcategoria de Desvios e Transtornos Sexuais até a década de 90.
Podemos
concluir que, durante os séculos, várias instancias normatizadoras
tentaram, sem sucesso, estabelecer padrões em relação a
sexualidade. Com teorias que passavam desde a religião a uma
pseudociência a fim de restringir o espectro sexual e normalizar os
indivíduos. Vemos que as teorias diagnosticas não se isolam do
contexto socioculturais e político, mostrando a perigosidade de uma
posição normativa das ciências pautada no moralismo.
Referencia
PAOLIELLO, Gilda. A despatologização da homossexualidade. As Homossexualidades na Psicanálise: na história de sua despatologização, p. 29-46, 2013.]